Da mesma maneira que acontece nos sonhos, os Conto de Fadas são representações de acontecimentos de nossa psique.
A diferença é que nos sonhos as imagens simbólicas vêem permeadas de fatores de natureza pessoal – sua interpretação varia conforme a “história interior” do sonhador. Já os contos de fada trazem conteúdos simbólicos pertencentes a todos os homens, pois eles são a expressão mais pura e simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo
Eles têm origem nas camadas profundas do inconsciente, mas do Inconsciente coletivo – são comuns à psique de todos os seres humanos. É por isso que os temas dos contos de fadas aparecem e reaparecem de forma tão evidente em contos de inúmeros países. Em culturas que não tinham contato entre si, em épocas diferentes- com muito pouca variação.
As histórias são muito mais antigas do que a arte e a psicologia.
Assim como os mitos e as lendas, os contos de fada e as fábulas provêm do alvorecer da cultura humana e acham-se espalhados por todas as civilizações. A energia das histórias, é a energia da alma humana. Seus elementos pertencem ao mundo dos arquétipos.
Segundo Marie Louise von Franz *em Interpretação dos Contos de Fadas (ed. Paulus) os contos de fadas espelham a estrutura mais simples, ou o “esqueleto” da psique, e que suas muitas peças acabam por fundir-se, compondo os grandes mitos que expressam toda uma produção cultural mais elaborada.
O estudioso clássico E. Schwizer demonstra como, por exemplo, o mito de Hércules foi sendo aos poucos espontaneamente “montado” a partir de histórias separadas, todas temas centrais de seus respectivos contos de fadas.
Marie-Louise Ida Margareta von Franz foi uma terapeuta junguiana, pesquisadora, escritora e uma das mais importantes colaboradoras e continuadora do trabalho de Carl Jung. Nasceu em Munique, Alemanha, filha de um coronel do exercito austríaco. Logo após a Primeira Guerra, em 1919, muda com a família para a Suíça. Estudou na Universidade de Zurique filologia e línguas clássicas (latim e grego) e também literatura e história antiga. Acaba tendo que financiar parte de seus estudos e o faz dando aulas de latim e grego e trabalhando em textos de contos de fada. Em 1933, com 18 anos vai com um grupo de pessoas a casa de Jung (que tinha na ocasião 58 anos) em Bollingen. Como disse à sua irmã no mesmo dia, o encontro com Jung foi o mais impressionante e decisivo da sua vida. Decide que vai estudar e entender melhor o que aquele homem, que tanto a impressionou, fala. Terminado seus estudos na Universidade vai estudar psicologia junguiana e em 1934 começa seu treinamento analítico com Jung. Para pagar esse treinamento começa a traduzir para ele textos em latim e grego, especialmente textos alquímicos. Como muitos desses textos tinham passagens em persa, volta a universidade para estudar árabe. Dessa maneira torna-se uma especialista em textos alquímicos e a principal colaboradora de Jung nesse assunto, escrevendo inclusive livros com ele sobre o tema. A colaboração entre os dois só terminou em 1961, com a morte de Jung.
“Mitos e Contos de Fadas dão expressão a processos inconscientes e sua narração provoca a revitalização desses processos, restabelecendo assim a conexão entre consciente e inconsciente”.
JUNG
Na linguagem dos contos, a análise vem de forma impessoal, mais purificada. Todas as pessoas têm temas a serem trabalhados, temas de construção e de destruição.
Cada história vai sensibilizar cada um de nós de um jeito diferente. Além disso, as histórias trabalham também a memória, o aspecto afetivo, psicológico e cognitivo.
Mesmo não falando de verdades objetivas e sim subjetivas, pois são narradas na linguagem dos símbolos, as histórias encantam a todos.
Muitas não passam pelo crivo do racional, mas permitem que sejam acessadas camadas profundas do inconsciente, fazendo ressoar elementos que ali se encontram, ajudando-os, como nos sonhos a ganharem luz e consciência.
Talvez aí resida o grande mistério e fascínio exercido pelas histórias, pelos contos de fadas.
Os Contos de Fadas começam sempre com “Era uma vez…”, ou algo parecido, significando que eles se passam fora de tempo e espaço, ou seja a “Terra de Ninguém do Inconsciente Coletivo”.
Há cerca de 25 anos, a analista junguiana Irene Carmo Pimenta vem desenvolvendo o Projeto “Era uma vez… histórias pra gente acordar”.
O título: “Era uma vez…histórias pra gente acordar”, faz uma alusão ao hábito de se contar histórias para as crianças dormirem.
O Objetivo é que a partir da análise do conteúdo, não só dos contos de fadas tradicionais, mas também dos contos de diversas culturas, o participante se aproprie dos elementos simbólicos existentes nos mesmos, utilizando-os como “ferramentas terapêuticas” para uma maior compreensão de si e do mundo.
São histórias para “despertar” trazendo à luz muitos registros ocultos no inconsciente…
Oficinas bem dinâmica que valem por muitas “sessões” de terapia, com roda de conversa para troca de experiências, além de vivências práticas em arte terapia (escrita, pintura, bordado, modelagem em argila, construção de mandalas, etc…)
Os contos de fadas sempre me fascinaram. Minha mãe foi uma boa contadora de histórias e isso de certa forma contribuiu para que eu me tornasse uma leitora voraz desde a mais tenra idade. O conto “Rapunzel” sempre despertou meu interesse… Tanto que o poema que eu posto na sequência foi escrito na minha adolescência. Relendo-o percebo algo que transcende as palavras escritas a lápis em uma página amarelada pelo tempo, provavelmente extraída de algum caderno escolar.
Através dele, eu entro em contato com a adolescente que fui (e que ainda mora nos porões da minha psique). Percebo agora, que ali naquele momento e fazia um pacto comigo mesma. O Conto “Rapunzel” abriu para mim, sem que eu tivesse consciência, portais para universo
dos arquétipos*. Talvez naquele momento eu tenha me conectado com a “alma” de toda a minha ancestralidade feminina.
Anos depois, tornei-me uma “cuidadora de almas”, psicoterapeuta e analista junguiana e criei o Projeto “Era uma vez… Histórias pra gente acordar”. São oficinas baseadas em contos de fadas, que funcionam como ferramentas de auto reconhecimento.
Utilizei muitos contos nas oficinas, mas não Rapunzel. Talvez até porque eu ainda estivesse trilhando o caminho dela. Com um “animus” perambulando cego pelas florestas do inconsciente.
Mas algo mudou. Enquanto eu preparava o lançamento do Blog, o desejo de compartilhar Rapunzel bateu forte e junto com ele a inspiração para transforma-la na próxima oficina do projeto.
Compartilho então com os leitores e leitoras o poema Rapunzel. Um pacto que uma adolescente fez com a vida: ser responsável por si mesma.
RAPUNZEL
Oh! Rapunzel sem tranças
Presa na torre de vidro
Da solidão coletiva.
Não veio príncipe nem nada…?
Sequer uma bruxa malvada,
Pra lhe fazer companhia?
Então Rapunzel-menina,
Inventa outra escada!
Foge da torre que a vida,
Não vai lhe esperar parada.
Monta seu próprio cavalo.
Seja sua própria heroína!
Com amor
Irene Carmo Pimenta
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